terça-feira, fevereiro 28, 2006

CARPE DIEM

Tão doce
A ternura que te vivia.

Tão meigo
O teu repouso sossegado
Ao lado do meu
Atento a cada sobressalto
Na minha pele.

Tudo é tão efémero
O rio corre e não torna

Quer queiramos quer não
Repousemos juntos
Olhando o rio
De olhos enlaçados

Muitas
São
As rosas
Efémeras
No nosso caminho

Permanecer
Ficando
No amanhã
Que renasce

Sonhar
Que é possível.

Viver
De improviso.

Gramática

O Tempo
Nem sempre é certo.

As conjugações
Nem sempre se acordam:
O género
O número
O modo
A voz

Flexionar
O verbo AMAR
Sem receios
De ortografia

sábado, fevereiro 25, 2006


Nesta viagem
Fizemos do amor a ponte
Do desejo o barco
Margem a margem
Carícia a carícia
Para nos possuirmos
Intensamente
Sem que alguma vez
tu sejas meu
Ou eu seja tua
Posse intermitente

O nosso adeus
intenso
Não começa nem acaba
Fica suspenso
Onde o tempo se demora
E os afagos preenchem as horas
Virginais e puras

Quando dobro o papel
Com o gume da unha
Controlo algo que se me afigura concreto
Dominável e submisso.

Quando apoio o rosto na mão
Descanso o cansaço de existir
Emocionado e fugaz.

Quando abordo um sorriso
Traço mais uma linha no meu corpo
Fechada e fingida.

O momento existe
No tempo de o sentir
Prenhe de virtualidades
Virgens e inexploradas
Sonhos disseminados:
Terreno fértil
Jamais atingido.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006


O MEU RETRATO (By a great friend)

Numa cabeça alindada
Em que o sol reflecte raios coloridos
Se rasgam dois lagos – cor de mar calmo

Dias tempestuosos se avizinham
Quando uma expressão enigmática se desenha
Nos seus lábios de fino traço

De pois de percorrer montanhas e vales harmoniosos
Deparamos com umas mãos nervosas
Que se cruzam e descruzam
Ao som de uma voz angélica e celestial

No seu andar engraçado, com passos curtos mas rápidos
Querendo alcançar um ponto longínquo
Que se representa num horizonte distante

Qual anjo descrito, que na escuridão da vista
E estando sempre no pensamento
A sua presença sentida
Com a alegria de vida
Que teima em não a presentear

quinta-feira, fevereiro 23, 2006


Solta
Docemente
O teu corpo
Por sobre as pregas do meu
E desdobra o teu manto
De penugem fina

Quero acolher-te em mim
Em cada hora desta noite
Que não esgotamos
Acesos na loucura
De nos possuirmos

Desfaçamos os nós da inibição

Sonhemos
Sexos verdes
De suor e algas


O horizonte termina
Sempre que o calor de um
Se funde no outro

E dentro dela
Se dilui
O espanto do sémen

quarta-feira, fevereiro 22, 2006


Sem que as convoque
As lágrimas lavam
A minha face

-débeis vestígios
De um amor sufocado
Interdito

Sob o efeito do vinho
Deixo o meu desejo
Soar livre
Ausente de ti

Assim
Sou mais mulher
Porque sem mordaças
Nem olhares furtivos

Corpo
Sereno
Solto no tempo
Boca queimada
Por sóis
Sedento

Mãos estreitas
Ternuras abertas

Cabelos negros
Seiva macia

Seara
Infinita

Olhos gaiatos
Mosto mel

Revolta
Insegura e viva

Porto em que se abriga
A minha sede

terça-feira, fevereiro 21, 2006


A minha dor feita ausência de ti.

Nem um rasto de espuma deixo demarcando o meu rumo.

Paradas estão as águas deste rio.
O timoneiro, o homem do leme não o encontro.
Invade-me uma saudade imensa de ser eu os teus lábios, os teus cabelos, o teu corpo. Mas nunca mais te terei de novo, nem que por breves momentos, esquivos momentos.
Ardem-me os olhos ao procurar reter a tua imagem numa folha fugidia de papel.
Quem me dera poder reter o teu corpo nos contornos da minha boca.

Majestic Café


O Majestic mantinha o mesmo charme de sempre, os mesmos odores. Era como se recuássemos até aos vestidos de lantejoulas e aos colares a bater nas virilhas das meninas franjadas de kohl. Pude senti-lo por dentro, tomar o meu café, ver as gentes que passavam na rua, os vendedores e os turistas.
Era o Porto da "Belle Époque", dos escritores e dos artistas, em todo o seu esplendor e luxo. Chamara-se Elite nos seus primeiros tempos, na época do “chic”, numa altura em que o tempo passava devagar e se podia fazer “vida de café”.
Estava de casaco e calça de veludo castanho, de que alguns anos depois me despedi com saudade, porque era a minha segunda pele e porque o forro transbordava corpos e recordações. Ainda hoje lhe farejo os cheiros e os contornos coleantes.
Estava em simbiose com o ambiente.
O chão de mármore indiano. Madeiras torneadas, sensuais, volteando languidamente por entre o latão. Tectos de gesso pintado de dourado trabalhados com perícia. De ambos os lados candeeiros Arte Nova em cogumelo com figurinhas de querubins de bronze em divertimentos pequeninos e incestuosos. No meio, como que para repor a seriedade, uma fileira de lustres. Os bancos corridos em cabedal gravado encimados por grandes espelhos de cristal de Antuérpia prolongavam o espaço e a imaginação. O vidro permitia ver Santa Catarina e o esplêndido jogo de losangos e quadrados cortados pela lascívia das madeiras exóticas. Mesas de tampo marmóreo e cadeiras com incrustações.
O piano de cauda espraiava-se sinuosamente pelo fundo da sala.

O Gato




Estirado sobre a varanda o gato dormia. Era um daqueles bichanos de goteira, imensos de pêlo e gulodice. Quem passava ria-se daquela pose instável, desafiando as leis mais elementares da gravidade. O corrimão que conduzia à varanda era apenas uma linha ténue e fina, onde se tinha empoleirado.
De repente um raio de sol inundou em cheio a figura modorrenta do monarca ribeirinho.
As linhas suaves que lhe tracei no corpo com o olhar tinham-no finalmente despertado para as sua sensualidade selvagem. Parecia rever a última incursão pelos telhados onde se espraiavam as gatas da noite. Esticou uma pata cuidadosamente; depois a outra; deixou-se percorrer por um arrepio de prazer que lhe eriçou a pelagem farta. Abriu um olho, catrapiscou o outro, acabou com o sol de Outono a brincar-lhe nos dois, irradiando tonalidades amarelas e laranja.
Mirou gaiatamente uma gaivota dolente no céu azul.
E lá se decidiu finalmente a vir ter comigo.
Voltara eu às escadas do Codeçal. Desta vez Bia de novo procurando os gatos, os gaiatos e talvez os outros felinos de antigamente. Estaria preparada? Seria a mesma?

Pinhal De Leiria


Manhã.
O vento começa. A cama branca, límpida, incrivelmente suja de nós.
Um quotidiano novo que apesar de tudo fazia sentido.
Na tua face perpassava o amor que continuava até a fome despertar o desejo de sobreviver mais uma vez.
Porque te dava o meu estar só, o meu desespero de estar doente e de o tempo ser breve, a minha urgência de sobreviver e de deixar tudo pronto quando partisse.

Amor tranquilo no início. Sem águas turbulentas ou raivas escondidas, feito de longas horas de comunhão de palavras e de silêncios.
Nasceu no sonho de um rei que um dia anteviu partir as caravelas do futuro.
D. Dinis, trovador do amor sincero, sem fingimentos aristocráticos.
O seu pinhal, semeado de quimeras e de sémen, gerou a calma deste amor que nasceu nos teus olhos, desceu até às minhas mãos, feito doçura nas noites jamais isentas de novo, porque tu estavas comigo e pertencias-me e não éramos mais do que o início do mundo, outra vez nus, virgens, sem receios.

Breves as horas, mas ilimitadas. O tempo passava por nós e demorava-se. Pena que a distância fosse impedimento.
Não o costuma ser nas histórias de amor.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Dia dos Namorados


Há deuses que nos olham
nos nosso mundos
selados de segredo
e revelam
recortes do seu Olimpo
sagrado
nos momentos profundos
em que se molham
isentos de medo
os nossos corpos salgados

Noite
prenhe de movimentos
ternos de gestos
segmentos
de sonhos dispersos…

Tens um aroma agridoce
no contorno com que esboço
as linhas do teu corpo
os dedos que percorrem
os meus cabelos
o meu pescoço
são pincéis que escorrem
as cores com que te concebo
perdida nos teus olhos.

No jardim da Cordoaria havia sempre homens sedentos do amor sobre os bancos, à sombra escura das árvores ancestrais e dos crepúsculos do Porto com aromas de limo e de vinhos finos e a figura espectral da árvore da forca. Cheirava também a castanhas no Outono, vendidas em sacos de papel de jornal que as mantinha quentes e boas, quentinhas, e com um ligeiro sabor a petróleo.
Bia repousava deitada sobre o seu corpo de estrangeiro isento, exausta de percorrer igrejas e vielas humanas num amor desvairado.
Fiéis às revelações que lhes fazia, ela preferia-os assim, livres, ocasionais.
A mim custava-me. Compreendia-a, contudo, atendendo às suas origens.
Quem a poderia compreender naquele tempo, quando bastava a sua presença para nos esbofetear as convicções mais profundas?
A dança é a expressão do desejo - dizia ela - não há como amá-la num corpo nascido sob o seu signo: constelação de sabores com música.
Sabia dançar como ninguém o raio da moça.

Edipo


o rosto dele mergulha-lhe na sofreguidão dos seios. Sente-o primeiro, com o seu cabelo curto de menino, como se revivesse gestos antigos de ajeitar bocas, de indicar o caminho…depois aspira-lhe o perfume , o cheiro de que dele faz homem e nela desejo…só a pele, o corpo, o olhar que não se desvia, como se tudo aquilo fosse tão cristalino como o puro acto de nascer e abrir os olhos de espanto perante o mundo recém descoberto de se quererem, de se amarem, naquele quarto feito de amores interditos, agora seus, com os dedos dele a percorrerem os cabelos dela, a enovelarem-lhe os caracóis no rosto, o verde de encontro ao mel, a boca de encontro ao sexo.

Pedagua


Nessa noite a chuva fustigava os rostos e os corpos que, apesar dela e da sua fúria, teimavam em se encontrar naquele bar pequeno, cheio de objectos e de memórias, com a simplicidade de um vestido negro de veludo sobre um corpo de mulher, que é bela assim, sem a nobreza de uma jóia.
Quando se entrava lá, frio e molhado, o conforto dos rostos, das violas devolvia-nos a alma para continuar e ficar, com aquela sensação de valer a pena, porque a alma é grande e os corações não se isolam num espaço assim …as mãos que se dão, os sorrisos de quem ama com a mesma cumplicidade os sabores da música e da comida, as pessoas, a ponte e o rio…e o Porto, no Porto que se sente granítico e acolhedor, aquele porto que é sentido, mesmo quando as guitarradas são de Coimbra e os guitarristas nos tocam no mais azul que somos…

BIA


BIA


O nome lhe ficou daquilo que é: Bia.
Travessura e sensualidade, inconstância e medo.
Rancor e raiva, fêmea sob todos os prismas de ser.
Travesti da vida, mulher-animal com garras doces de sonho.
Amei-a mal os nossos olhos se cruzaram: a insegurança dos meus; o ímpeto incandescente dos dela, de um verde intensamente felino e vadio, as sardas ressaltando sob uns caracóis arruivados.
Tinha paixão por gatos em estado semi selvagem e vagueava pela Ribeira em busca deles e doutros homens igualmente felinos, igualmente selvagens e vadios, sedentos da carícia das suas mãos, estrangeiros de mochila e gangas coçadas, inter-rail e passaporte alcantilados em t-shirts encardidas por noites mal dormidas a bordo dos comboios.
As primeiras paixões viveu-as assim breves, efémeras num minuto, entre uma partida e uma chegada. Peles nórdicas, virgens.