segunda-feira, maio 29, 2006

Eva e Adão


Um ao outro pertencemos
expulsos do paraíso
que nos concederam os deuses

Eu - a mulher primeira
Tu - o primeiro homem
Incautos
Sós
Inocentes

à espera de nos continuarmos

sábado, maio 27, 2006

Escrever:
-um sopro
-uma violência
-um suspiro
-uma urgência.

Não pensar.

O poema vem
repentinamente
irradiando seus sóis
Num crepúsculo lunar.

quinta-feira, maio 25, 2006


Asas
-devaneios inúteis
para os que temem
o fogo da liberdade.

Cadeias
-verdades assumidas
pelos que se soltam
no fulgor da tempestade!

domingo, maio 21, 2006

O Marinheiro


Partiu um dia
pelo caminho do sonho
E da maresia

Braços de mulher
O retiveram
No xaile negro
De areia da praia

Era Agosto
Aromas doces reclamavam
O corpo do marinheiro

Era urgente partir
Era urgente o barco ao mar

Levou nos olhos negros
O verde esmeraldino dos seus

sábado, maio 20, 2006


Em todos
Vivo a orgia
De te amar
Plena e louca
Na euforia
De me tocar
Em cada boca

sexta-feira, maio 19, 2006

Divagação

Fugitiva
No vento que solta
As arestas direitas
Das casas
Eu percorro a cidade
Presa na sua simetria
Imensa e nua

quinta-feira, maio 18, 2006

Deixa
Que o teu perfume
Invada os meus sentidos.

As palavras
Estão a mais.

Os dedos,
Esses,
Devem traçar os percursos subtis
Conhecidos
E desbravar outros
Que te esperam
na sua virgindade absoluta.

Cola depois
O teu corpo ao meu
Misturemos os sabores
Doces e ágeis.

Nada digamos.
Deixemos falar o indizível.

quarta-feira, maio 17, 2006

O Banho


Vestir-me para me seduzir a mim mesma.
Preparar o banho, os óleos essenciais e afrodisíacos, as pétalas de flores. Aspirá-los e deixá-los inebriar-me suavemente. Colocar as velas para diluir a penumbra.
Pensar vagamente no homem que gostaria de ter se quisesse. Esquecê-lo de imediato.
Deixar sobre a colcha pura de linho a roupa preparada as meias de rede dum rubro de crepúsculo, a condizer com a lingerie ousada. Os veludos negros para usar por cima, sem a nobreza duma jóia. O perfume almiscarado.
Dispor tudo alinhado à espera da noite e do prazer que há-de ser só meu.
Regressar ao banho. Deixar deslizar o cetim branco, como quem se despede duma virgindade ligeiramente incómoda.
Tocar com a ponta dos dedos dos pés numa carícia a água quente. Emergir para ressurgir com esplendor. Pensar um espelho no tecto. Ver-me nele, desejar-me intensamente.
Procurar de novo o Homem na memória. Esquecê-lo de seguida. Sonhar comigo. Inundar-me de água e fragrância. Roçar uma coxa na outra. A esponja fará o resto. Desejar com cio mas sem desejo o falo do Homem e deixar-me penetrar dele.
Sentir o prazer em ondas de maré e suspirar.
Sossegar no meu sossego.

domingo, maio 14, 2006

Picos de Europa


Tenho o sol
No rosto e no corpo
Ardente

-gotas de sémen
Que a brisa dos montes mais altos
neles derramou
em dispersos amores

Sinto-me mulher
Caminhando entre céu e neve
Num mundo de seres viris
Tocando os cumes da eternidade
Com intensos suores

quarta-feira, maio 10, 2006

Amores

A mágoa, a minha determinação de rumar noutros sentidos, de violar os céus azuis dos meus horizontes ainda por desbravar, numa ânsia de retorno à minha inconstância natural, à minha necessidade desmesurada de me dar e de receber em troca um afago breve, inefável.
Faltou-te coragem para viver esse projecto a dois.
Poucos dias bastaram para que o amor morresse.
As palavras, essas foram dardos cravados no meu ser mais doce, porque mais íntimo: gostar de mim como sou, com todas as marcas de pesadelo, com todos os traços de loucura, com todos os rumos de inconsciência.

domingo, maio 07, 2006

Paixões

Há sempre, como lhe chamo, o meu falar poético.
Sento-me ao computador e deixo que as palavras encontrem o seu rumo.
Por mais voltas que dê e por mais que a razão teime em aflorar, eu pinto a paixão com cores que ela não tem, enganando-me, com fria lucidez .
Claro que eu sei que a paixão não é um estado em que se viva. Pelo menos a paixão por alguém. A paixão pela vida, pelas coisas, pelos seres, essa é imortal, prolonga-se num amor que se reintegra depois no infinito, após a nossa morte. Pode viver-se, assim, num estado de permanente paixão. Nisso creio profundamente.
Quando me apaixono por alguém, ainda que por alguns dias, quero - o comigo, do meu lado, para sempre.
Nisto consiste a minha idealização apoética."

Ambiguidade

Um começo. Como dizer-te que desde que te conhecera tu foras para mim o princípio, o meio e o fim. Explicar-te que o meu coração não tinha secções, era amplo e fundo como o mar e nele cabiam todos os amores e todas as paixões? Que nas prateleiras a gente põe latas e caixas e não ternura e afectos? Bastava-me o “gostar muito”? A mim, eternamente gaiata de sardas e rebeldia o contentar-me com um advérbio e um verbo ambíguo?

quinta-feira, maio 04, 2006

Noite


Gosto da noite.
Traz consigo pequenas mortalhas. Fibras de paixão esquecidas e agora reavivadas.
O amor é um hábito incurável. Renasce num círculo vicioso, repetindo sempre o encanto do primeiro momento e a angústia da cena final.

Quinta da Queimada


Na Quinta da Queimada cheirava a leite quente nas cortes e a mosto nos lagares.
O sol doirava as espigas da eira e cobria de suor os malhadores.
À noite procurava-se o milho-rei, passaporte para o beijo proibido e apetecido, ou o contacto mais sôfrego com a fêmea, habilmente lidada durante o serão para os suspiros no palheiro, já de madrugada. Mundo sensual de cores, cheiros e pele, sinais remanescentes de um tempo que ainda degusto, as sobras que ficaram de tudo, pleno de infância, de murmúrios vegetais em busca da casa, de novo, da permanência, da terra inteira em harmonia e totalidade cósmica.

quarta-feira, maio 03, 2006

Violação

Nos dias em que te olho
Assim
Com uma ternura
Que nem tu compreendes
Invade-me uma saudade imensa
De ser eu
Os teus lábios
Os teus cabelos
O teu corpo

Vibro-me toda
Numa ânsia de te desejar
E os teus olhos são meus olhos
E os teus dedos instrumentos da minha auto-satisfação

Nos dias em que me olhas
Assim
Sonhas o amor tranquilo
Uma companheira serena
E não me vês
À noite
A violentar sonhos de ti