sexta-feira, março 23, 2007

Florbela Espanca in memoriam

Quero reter-te assim imaculado
Longe da sede dos meus braços,
Para que não sulques com os teus traços
Meu trilho ávido, almiscarado.

Por uma vez, fora do meu alcance,
Entre sóis, na face e risos de cor
Para que nos meus olhos com ardor,
Não vislumbres tristeza, de relance,

Porque em meu gesto é natural
Tocar o sol e o mar e o vento e o chão:
Melancolia louca, impessoal.

Em todo o fogo da minha paixão,
Quero tornar-me contigo imortal,
Ai, no leito da minha solidão!

E se, de repente,

O meu corpo se soltasse

por entre o verde da colcha

em marés sucessivas

e me desprendesse

lentamente

no marulhar do oceano?

CANTAR DE AMIGO

Meu amigo, ai, meu amado
Vem, ao romper da aurora
Matar-me de amor
Como um trovador
De outrora

Meu amigo, ai, meu amado
Depois seduz-me contigo
De um modo antigo
Fremente
Apaixonado

Meu amigo, ai, meu amado
Faz-me amor
Num leito qualquer
À hora de alva
Quando os pássaros se acordam

Meu amigo, ai, meu amado
Se assim nos aprouver
Mordamos o calor
Da boca nas palavras
Que se formam

segunda-feira, março 19, 2007

Tenerife


Brumas

Envolvem o pico distante

Indistintas vozes

Ecos do passado

Reinvenção de um instante

Indiferenciados

Pedaços de mágoa
Porque me pedes
A razão das coisas
quando ignoro
o porquê de existir?

Porque me pedes
para te ouvir
quando as sombras
não invadem o momento?

Porque me pedes
referências cruas?
Que tormento...

Não gosto de escrever
Em papel pautado
As páginas do meu ser.

Num crepúsculo lunar

Irradiando seus sóis

O poema vem





Repentino

Sopro

Urgente



O poema vem

Irradiando seus sóis

Num crepúsculo lunar


Quero-te ausente e sereno

Tudo sonhei na vida
sem nunca ter desejado
tempo demais

Fica longe
onde os meus dedos
Não interrompam teu corpo

Absurda

É a hora

Quando

Presos no tempo

A aguardamos

domingo, março 11, 2007

A verdade das rosas


Quisera outrora no papel

de alguma forma vagamente lírica

com rosas dizer amor


o homem que amei

de alguma forma ligeiramente sentimental

não era de rosas autênticas

nem mesmo daquelas de fugazes odores

que se compram belas e logo se desfazem

ou se oferecem iconicamente

nas janelas dos computadores

Desde então suspendi a pena

para que o artificial não me enchesse do tédio

medianamente médio

das coisas vulgares

sexta-feira, março 09, 2007

Regresso


Com o teu beijo
Reacende
A chama
Aquela que tu sabes
Estar sempre na asa da cinza
Purpúrea

Se eu dia eu voltar
Na minha loucura
Natural
Aquela que tu sabes
Saber a mim
Acolhe-me com
O fogo dos calores
Adormecidos
Não esquecidos

O vidro na vela
O espelho da tela


O reflexo rubro
Da ponta dos dedos
Segredos
Líquidos

A imagem do copo
No reflexo da tela


A voz do sangue
O seio que acalenta
Fremente de ter
O dia de hoje
Futuro a não ser

Mel doce de canela
A noz acesa na vela

A cor que fascina
O universo sentido
Ilumina

O reflexo da chama
Intensa da vela
No calor da tela

Delíquios suspensos
No limiar do vinho
No esplendor da cor


A imagem do copo
No reflexo da vela
A mulher nua
Violada na tela