terça-feira, março 07, 2006

Café Velasquez


O Café Velasquez fica mesmo ali no centro mais aficcionado da Imbicta.
-Três cimbalinos, uma bijou com pouca...
A clientela diverge: de manhã óculos escuros desenham-se nos cabelos das loiras a encobrir as misérias da noite e a falta de pachorra para a maquilhagem do dia seguinte. Toma-se o café para espantar o sono e a pedrada do tabaco; duas de conversa com as amigas, antes das compras ou do almoço. Os homens falam de gajas e de futebol.
-Um fino bem tiradinho, ó Almeida...
Empregados discretos, condescendentes.
Os toques dos telemóveis. Menos de manhã do que à noite, que a hora não é de engate. Alguns atendem diante dos outros, numa pose estudada para amolgar as audiências. Outros saem, apressados, para não dar nas vistas, passos largos, gestos frenéticos, vá lá saber-se se é a outra ou a mesma. Os “tenrinhos” pasmam para tanta sabedoria no mundo das telecomunicações horizontais. A seu tempo aprendem. Cada vez mais cedo.
Lá fora há árvores nuas. O frio gela nos bancos vermelhos cobertos de musgo e nas mãos dos arrumadores.
- Ó Senhor Doutor, é para um cafezinho. Aceito cêntimos ou escudos...
Os primeiros raios de sol de Janeiro filtram-se por entre as habitações burguesas. Há jogo nas Antas e já há falta de estacionamento. Os primeiros vendedores de cachecóis e bandeirinhas.
Lê-se o jornal comprado no quiosque dentro do café a abarrotar de literatura para todos os gostos. Os trajes discretos. À noite os clientes são outros.
O balcão alonga uma boa dúzia de metros. Só os homens se encostam à noite, cabelos penteados com gel, de fato bem desenhado, espécimen muitas vezes único. Sozinho ou acompanhado espera o sinal, marca o encontro. É quarta de Swing, quinta de Estado Novo, ou sexta de outra coisa qualquer. Convém sempre que seja Noite das Mulheres que é para haver muitas. Ora beinhe.
- O cimbáaaalino, é curto ou comprido?
O barulho chega a ensurdecer. O moinho de café, os telemóveis, dezenas de conversas desencontradas. É uma bolsa de valores em alta. Paredes brancas. Tijoleira negra. Mistura de aromas de leite, café tabaco e perfumes.

1 comentário:

João Nogueira disse...

...Sim, é o Velasquez!
O texto está muito bonito. Fotográfico...com a vantagem das metáforas terem cheiro!

Gosto da escrita estética e provocadora...
mas, acima de tudo, este texto é um bocadinho de Porto...
com os "cimbalinos"...as vogais escancaradamente abertas, o "fino bem tiradinho", o palavrão genuíno...

Vou muito ao Velasquez e gosto de lá ir...é um miscigenação social engraçada...está lá o rico, o que já foi rico, o que sempre quis ser rico e aquele que sabe que nunca irá ser rico...

Quando lá vou tomo sempre "um à saco"...

http://pesbemassentesnalua.blogspot.com/2009/04/o-porto-emais-ou-menos-isto.html