sexta-feira, março 31, 2006

Posse


Não entendes
Que não procure
encontros furtivos
satisfações incompletas
da minha vontade de dar?

Não vês
Que no meu corpo
Há já muito espera
O desejo-fêmea
de te ter
E de te afagar?

Leaving


You have left
But I am not alone
I have you drawn on my body
The touch
Of your soft
Sweet eyes
Deep inside mine
The brisk dash
Of your restless smile
The tender profile
Of your full lips:
-Dreams
Without absences

NORTE



Só agora desperto
Sequiosa
Dolente
Ao sol primaveril
Que em mim se ateia.


É o fulgor
De me situar
Meus olhos
Fulminando o mar!

quarta-feira, março 29, 2006

Reminiscência

tenho-te algures
Na memória.
Vivi-te, talvez
No passado.
Chorei contigo
Uma dor comum.

Passam os dias
Longa é a noite
Breve a alvorada.

Perdemo-nos
De encontro à terra
Em mil partículas
meteóricas.

Meus Filhos


Reminiscências
De anjos
No toque suave
Dos meus lábios
Quando vos vejo.

Dormis
E eu velo a vossa noite
Para que
sereno
Seja o vosso acordar

terça-feira, março 28, 2006

Como é triste
Ser-se poeta
Quotidiano
Escrevendo
Só por escrever!

De alma em riste
Eu defendo:
A poesia para nascer
Como o poeta
tem de sofrer!

segunda-feira, março 27, 2006

Liberdade


Corre, selvagem
Pelos limites do vento
Ninguém te pode reter...

Enceta os caminhos
Dos meus olhos gaiatos
No teu corpo suado.

-potro nervoso
que acalento e amo
neste prado verde
onde, exausto, te refugias...

domingo, março 26, 2006

Futuro

Onde estarei amanhã
Sem a haste leve do teu corpo
Inclinando-se sobre o meu?

Onde estarei amanhã
Sem o segredo dos teus braços
A enlaçar o meu medo?

Onde estarei amanhã
Sem o silêncio conjugado
Dos teus olhos nos meus?

Inquietas
As tuas mãos percorrem
O meu corpo
-Esferas móveis
em torno do meu universo

Violento
O meu querer
Detém-lhes a órbita
E juntos
Exploramos de novo
O planeta insuspeitado

sábado, março 25, 2006



Solto o meu cabelo
Vou à tua procura
Por entre clarões de névoa
E olhos de vento

Hei-de possuir-te, aberta!
Hei-de beber-te até ao espasmo
Nessa orgia de corpos suados
Buscando complementos de mágoa!

Abandono

Vai-se dizer
Que parti naquele átomo
Quando souberem
Que te deixei só
À procura da existência
Insuspeitada...

Mas eu estou aqui
Diluída no ar que respiras...

Incompleta

Não me peçam
Para acabar os meus poemas!

Não, que eu sou tão inacabada
Quanto me sinto
Por começar!

sexta-feira, março 24, 2006


Suaves são as palavras
Que se trocam
Ternas, sensuais
As mãos que se tocam

Amor
Marcado pela distância
Eco de dor
na alma de cada um
presa na ânsia
De sermos dois
De sermos um

O que sentes
O que sinto
Dilui-se no vento
Retorna infinito

Assim o amor
os olhos espanta
E os sombreia de traços

Relembro na areia
Teus braços o meu ventre enlaçando
Sedento o teu hálito

Os seixos marcados
pelos perfis dos sonhos
abandonados agora à maresia

quinta-feira, março 23, 2006


Um caminho
Pode parecer mais longo
Quando sentido a sós.

Ímpar - uma vida
Pode parecer mais triste.

Incompleta
Não sou mais do que uma folha
Queimada pelo sol de Outono.

Um orgasmo
Pode ser sentido
Quando menos se espera

Depende dos teus olhos
E da sede do meu corpo

terça-feira, março 21, 2006

Mais gatos

Mais gatos. Hoje quatro atravessaram o meu caminho como um rasgo de aviso felino no horizonte das minhas passadas. Augúrios de sofrimento e dor, isolamento e abandono. Assim me marca o dia que agora descrevo, perdida a agilidade do gato, sentida a clausura do corpo. Como dominar este sentimento ácido que me invade, traçando percursos de fuga em relação a um alvo que eu, flecha disparada ao acaso, hei-de acabar por atingir?
A consciência de mim enquanto corpo é dolorosa e triste. Durante o tempo em que a minha presença serve de objecto útil para a construção de outros, existo. Quando enfrento o silêncio da minha imagem reflectida nos olhos e nos espelhos , quem sou? Que será de mim quando todos se forem, urgentes nos seus rumos de vidas ou mortes?

segunda-feira, março 20, 2006


Da vida só levamos
O que temos.
Não o que sonhamos
nem o que queremos.

Hoje é minha a vez
De dizer "não",
De cerrar os pórticos
Desnudos
pela luz da realidade,
Vinda, talvez,
Da crua vontade
De estalar o vido
Selado pela emoção.

quinta-feira, março 16, 2006

Saudade


Antecipar
A palavra proibida
Dentro das barreiras do desejo

Prever
O momento intenso
Rubro de sangue
Fremente
De eternidade

Não sonho

Existo

Bebo

A dor de mim
Feita ausência

Cansado
Repousas entre as conchas
Dispersas na areia
De olhos fechados

Ergo-me
Um pouco para te ver


De súbito
O desejo ardente de ser um rio
E desaguar na tua foz

quarta-feira, março 15, 2006


Não pensar
Que a esperança
É vã

E o corpo
Morto na Ilha

Na Distância envolta em névoa


O desejo fremente
Do seu regresso
Habita em mim

Identidade


Deixei que as minhas emoções
Passassem por mim
E me fixassem nos olhos
Insistentemente

Dei-lhes a mão
Beijei-as na boca
Assumidamente




Fui para a cama
Com os meus medos
As minhas dores
As minhas paixões

O resultado
Foi a entrada
Orgiástica
Da minha identidade
Por mim adentro

segunda-feira, março 13, 2006

Despedida


O nosso adeus
intenso
Não começa nem acaba
Fica suspenso
Onde o tempo se demora
E os afagos preenchem as horas
Virginais e puras

Unser heftig Abschied
fangt nicht an
und endet nicht
Es bekommt hangend
wo die Zeit dauert
und die Liebkosungen
die Stunden
reine und jungfraulich ausfullen

Percurso




Alamedas
Da minha vida
Como sois estranhas e sinuosas
Como me trazeis sofrida
Agruras tamanhas
Angustiosas presenças.

domingo, março 12, 2006


Quero cantar o teu corpo enquanto o dispo
Sobre os meus lençóis de linho
E te desenho as curvas
Com as pontas dos dedos
Doces enredos
Como se as sentisse
Pela primeira vez
No meu caminho

Nem sempre as palavras
Acompanham o toque
Ficam prisioneiras
Estilhaçadas
Na voz que as amordaça
Feiticeiras
Só os dedos falam
Tudo o que já entendi
A língua primordial
Do meu desejo de ti

I wish to sing thy body
As I unreveal it
On the linen sheets
And I sketch the arches
With the tip of my fingers
- Sweet plots-
As If I might feel them
For the first time
On my way

Not always do words
Walk along with the touch
They remain imprisoned
In the voice that gags them
- Sorceresses-
Only the fingers speak
All that I have already embraced
The primordial language
Of my desire for thee

quinta-feira, março 09, 2006



Os sonhos
Perdi-os algures dentro de mim
Secaram as fontes
Calaram-se as aves

Renasce
Agora
A água
De novo
Brota
Cristalina


Quisera
Afagar a tua dor
Como te afago os cabelos

Gestos suaves
De quem toca
Mais do que diz

terça-feira, março 07, 2006

Café Velasquez


O Café Velasquez fica mesmo ali no centro mais aficcionado da Imbicta.
-Três cimbalinos, uma bijou com pouca...
A clientela diverge: de manhã óculos escuros desenham-se nos cabelos das loiras a encobrir as misérias da noite e a falta de pachorra para a maquilhagem do dia seguinte. Toma-se o café para espantar o sono e a pedrada do tabaco; duas de conversa com as amigas, antes das compras ou do almoço. Os homens falam de gajas e de futebol.
-Um fino bem tiradinho, ó Almeida...
Empregados discretos, condescendentes.
Os toques dos telemóveis. Menos de manhã do que à noite, que a hora não é de engate. Alguns atendem diante dos outros, numa pose estudada para amolgar as audiências. Outros saem, apressados, para não dar nas vistas, passos largos, gestos frenéticos, vá lá saber-se se é a outra ou a mesma. Os “tenrinhos” pasmam para tanta sabedoria no mundo das telecomunicações horizontais. A seu tempo aprendem. Cada vez mais cedo.
Lá fora há árvores nuas. O frio gela nos bancos vermelhos cobertos de musgo e nas mãos dos arrumadores.
- Ó Senhor Doutor, é para um cafezinho. Aceito cêntimos ou escudos...
Os primeiros raios de sol de Janeiro filtram-se por entre as habitações burguesas. Há jogo nas Antas e já há falta de estacionamento. Os primeiros vendedores de cachecóis e bandeirinhas.
Lê-se o jornal comprado no quiosque dentro do café a abarrotar de literatura para todos os gostos. Os trajes discretos. À noite os clientes são outros.
O balcão alonga uma boa dúzia de metros. Só os homens se encostam à noite, cabelos penteados com gel, de fato bem desenhado, espécimen muitas vezes único. Sozinho ou acompanhado espera o sinal, marca o encontro. É quarta de Swing, quinta de Estado Novo, ou sexta de outra coisa qualquer. Convém sempre que seja Noite das Mulheres que é para haver muitas. Ora beinhe.
- O cimbáaaalino, é curto ou comprido?
O barulho chega a ensurdecer. O moinho de café, os telemóveis, dezenas de conversas desencontradas. É uma bolsa de valores em alta. Paredes brancas. Tijoleira negra. Mistura de aromas de leite, café tabaco e perfumes.

segunda-feira, março 06, 2006


O tempo vem de longe sem eu saber porquê.
Cada experiência ressuscita em mim frustrações adormecidas ...
Agora já nada é.
Tudo se torna de repente numa pergunta que já a mim não faço.
Cada um defende-se como pode.
O meu lugar não é entre os que me querem moldar ao sabor dos dedos.

O toque, o cheiro , o olhar


Sons desencontrados. A guitarra, as imagens, os movimentos ritmados do corpo. O que representa um acto no palco - o actor, a palavra, o álcool.
Dançava-se em qualquer lado: na rua, na garagem, os beijos furtivos, as bolas de vidrilhos, as luzes da ribalta, Cidade Internacional ,Táxi, Jáfumega. Tudo é diferente. A espontaneidade, quando surge, vive sob disfarce.
O rock, pesado, Cairo distante não passa de uma miragem, passagem para a outra margem.
Alheio a mim o meu corpo sempre dançou, virou esquinas, traçou ângulos, perpendiculares e sinuou por entre outros corpos submersos nas marés de fumo, imersos na loucura.
Bia, a minha presença, intensa, perscrutava o toque, o cheiro, o olhar.

domingo, março 05, 2006

Vinte Poemas de amor e uma Canção Desesperada , de Pablo Neruda


Ofereceste-me o livro de Pablo Neruda, ainda namorávamos, numa altura em que vacilaste também e eu não quis decifrar, então, os sinais que me permitiriam antever que o futuro teria muito mais a ver com uma canção desesperada do que com vinte poemas de amor.
Li-o na estação à espera do comboio, para mim símbolo do amor que tivemos, umas vezes dorido, porque te esperei e não vieste; outras ávido de te ter nos meus braços, quando aparecias.
A luz era fraca, mas o poeta incendiou-me e sofremos juntos, porque irmanados na certeza definitiva da efemeridade dos momentos intensos vividos corpo a corpo, alma a alma, aceitando o desafio mítico de continuar a espécie no meio das flores e dos fenos - lugar privilegiado dos amantes.
Como a tua voz, poeta, é profunda e rica e orgulhosa, como a boca de todos os poetas que sentem a vida como um punhal de fogo e lágrimas!
Não é possível pensar em rostos, nem em corpos, nem em almas individuais.
Nada existe de supérfluo na nossa dor, apenas a verdade.

Como os afectos, os beijos aprendem-se: primeiro o olfacto, o detectar de aromas subtis por entre penugens finas; o roçar leve do nariz como que a procurar arrumo e depois o aconchego macio dos lábios em leito, onde o desejo nasce e onde o amor aprende a ser morno e doce, violento e ávido. A língua virá depois.

sábado, março 04, 2006


O cheiro da maresia lembra o cheiro a homem novo. Deixa que o teu perfume invada os meus sentidos.
As palavras estão a mais.
Fazes-me pensar em marisco. Sabes bem.
Sei de cor o gosto da tua boca depois do amor, quando os teus lábios desabrocham cheios, eróticos como dois seios de mulher madura e és capaz de sorrir de prazer, de quebrar o silêncio que apenas os meus suspiros povoam.
Teu rosto tem o mistério da esfinge e não me deixas alternativa: ou te decifro ou te devoro.
Aprende comigo a ternura e esquece a dor que até agora te manteve vivo.
Podes morrer de outra maneira.

quinta-feira, março 02, 2006

Que fazer com os sonhos?


Retomar o rumo do discurso perdido. Sossegar a lágrima que resvala pelo rosto exausto de existir. Amordaçar a raiva, tantas vezes estilhaçada contra as barreiras de ser o que se foi para voltar a ser de novo. Desaprender a lição tantas vezes estudada, analisada, compartimentada e definitiva.
Reaprendê-la, amando.
Saber que a única razão de amar é existir para isso.
Amar-te e não saber o que fazer contigo, tão perdido na tua ausência, feita de dor ou de anestesia.
Que fazer com os sonhos?

Foz do Douro


Vezes sem conta me deixara penetrar de sal, areia e sol, lentas as horas nos desenhos dos corpos que se desnudavam em manhãs interditas coroadas de sonhos, de pregas livres e contornos desdobrados, na verdade do silêncio, em noites de maré cheia, passeando a saudade por entre as ondas, de pés descalços.
Ser eterna é uma realidade feita de pequenos seixos atirados às ondas.
O céu estava nu sem uma nuvem que chorasse.

Estacionei o carro junto ao Castelo do Queijo e caminhei pelo passeio ladeado de árvores antigas até ao Homem do leme. Muita gente aproveitava a extensão do percurso para andar em passo rápido, correr, andar de bicicleta ou de patins. Senhoras louras passeavam os caniches. Havia pipocas e gelados, mas não havia muitos banhistas. O tempo estava incerto, com o vento a soprar por vezes forte, uns pingueiros de chuva logo afastados por um sol de Junho a raiar de novo.
Ainda hesitei em prosseguir até ao pontão. Gostava de sentir o barulho das ondas contra o molhe, fortes e salgadas, fazendo-me arder os olhos e a pele. Depois fui, com cuidado, que os limos tornavam o caminho traiçoeiro. Lá em cima, batida pelas ondas e pelo vento era como se estivesse em plena tempestade. Pensamentos bravios, lágrimas à mistura...